.
Negociação em compras: a
parábola dos pães
.
sala dos artigos de
negociação
.
Negociação apesar de ser
uma arte possui princípios sólidos e bem desenvolvidos alicerçados na
psicologia, na economia, na teoria das decisões, na comunicação e na
sociologia. É uma das habilidades mais importantes dos executivos e
apesar de possuir princípios gerais, tem peculiaridades que devem ser
utilizadas em cada área de aplicação. A negociação em compras, onde o
negociador lida com os profissionais de vendas, que talvez estejam entre
os que mais passam por programas de treinamento no Brasil, requer um
preparo específico
(artigo:
A síndrome de Estocolmo em vendas...).
.
Entender os fundamentos do
que está sendo negociado é crítico para a condução de qualquer processo
de negociação. Descobrir os aspectos importantes de cada situação deve
ser preocupação de todo o negociador. Isto é principalmente válido nas
negociações de compras, em que milhares, ou mesmo dezenas de milhares,
de itens estão envolvidos. Além disso, o problema da área de compras não
se restringe apenas ao número de itens, mas, principalmente, aos seus
valores
(artigo:
a re-negociação de preços
com os compradores).
Entre 60 e 80% dos
custos totais de uma empresa são representados por matérias-primas,
componentes, conjuntos e outros itens adquiridos.
O presente artigo
apresenta mais algumas características da "matriz de posicionamento de
compras" que já foi discutida de forma preliminar em edição anterior.
Esta matriz possibilitará a criação de políticas de negociação
diferentes de acordo com a importância dos itens. Isto ajudará o
negociador bem preparado a colocar seus argumentos de forma construtiva
e convincente. Para demonstrar a forma como os direitos podem ser
reivindicados vamos nos socorrer em um conto de
Malba Tahan
(artigo:
Como re-negociar um pedido
ou um contrato).
•
A parábola dos pães:
dois
mercadores haviam terminado de realizar suas vendas e estavam
voltando à sua cidade. Um deles era um negociador eficiente e
eficaz, que sempre procurava obter o máximo possível para si, mas
sempre com justiça. O menor caminho que existia até sua cidade
passava por um deserto. No meio do caminho encontraram um xeique que
havia sido assaltado e estava faminto. Assim que os avistou foi logo
dizendo:
Vocês têm algo
que eu possa comer? Vou retribuir em ouro tudo o que me
fornecerem.
Um dos mercadores disse: tenho comigo cinco pães, mas
preciso comer ao menos parte deles até chegar à próxima
cidade.
O outro complementou: e eu possuo apenas três, mas também
posso reparti-los.
Ótimo, disse o milionário, quando chegarmos à cidade darei
oito moedas de ouro em troca dos pães.
.
Assim foram andando até que finalmente atingiram o seu
destino. Assim que lá chegaram os dois foram recompensadas.
Ao que fornecera três pães foram entregues três moedas de
ouro, ao outro cinco.
•
Peço que faça uma pausa
agora:
em sua opinião, a divisão foi justa?, Se considerar que não foi, o
que está errado? Pois bem, aquele que entrara com cinco pães, o
negociador eficiente e justo, não concordou. A divisão não está
correta. Eu tenho direito a sete moedas e meu companheiro de viagem
a apenas uma, afirmou. Nem o xeique nem o outro mercador entenderam
a lógica da nova divisão. Ambos exigiram uma explicação, pois se um
entrara com cinco pães e o outro com três era justo que este fosse o
número de moedas destinadas a cada um. A nova divisão proposta à
primeira vista parecia um despropósito:
Calmamente o
primeiro mercador explicou ao xeique e ao outro viajante.
Enquanto andávamos pelo deserto, cada vez que queríamos comer
dividíamos os pães em 3 partes. Destinávamos então uma a cada um
de nós. Pois bem, o meu companheiro que possuía 3 pães, ao
dividi-los contribuiu na realidade com 9 pedaços. Eu que estava
de posse de 5, contribui com 15. Os 9 pedaços fornecidos pelo
nosso companheiro, mais os 15 que forneci totalizaram 24
pedaços. Como sempre que um de nós comia um pedaço de pão, todos
os demais também os consumiam, na realidade tocou a cada um, um
terço dos 24 pedaços, ou 8 pedaços de pão.
.
Pois bem, nosso
companheiro de viagem que entrara com 3 pães, ou 9 pedaços e
comera oito, na realidade somente contribuiu com 1 pedaço para o
consumo do xeique. Eu que possuía 5 pães ou 15 pedaços também
consumi 8. Por isso, na realidade, forneci 7 para saciar a fome
do xeique. É justo, portanto, que as moedas sejam divididas
desta forma, ou seja, a mim tocam 7 moedas e ao meu companheiro
de viagem uma. Fascinado o xeique entregou as 7 moedas ao
matemático. Como forma de não frustrar o outro viajante deixou-o
ficar com as 3 que lhe destinara originalmente...
Se o problema não tivesse
sido analisado de forma correta, facilmente o primeiro negociador
aceitaria as 5 moedas; ou seja, para encontrar a lógica que existe por
trás da negociação é fundamental para que nossos objetivos sejam
alcançados. Este história obviamente é uma parábola. Obter as 7 moedas
em negociações reais teria sido muito mais complexo. Esperar que alguém
lhe desse as 3 quando na realidade mereceria apenas uma, mais complexo
ainda. O que mostraremos a seguir é uma ferramenta que pode ser
utilizada para entender melhor os mercados nos quais atuamos e talvez
aumentar a probabilidade de alcançarmos as sete moedas
(artigo:
As 3 variáveis fundamentais na negociação).
•
A matriz de posicionamento
de compras:
em
artigo anterior apresentamos um modelo que sugeria formas diferentes
de negociação de acordo com a situação dos itens comprados pela
empresa. Este modelo gerou o que chamamos de matriz de
posicionamento de compras. A matriz, como pode ser vista no quadro a
seguir, possui duas dimensões. Uma representa o impacto que os itens
têm nos custos totais da empresa. A outra diz respeito aos riscos.
Dependendo da combinação de custos e riscos, foram recomendadas
políticas diferentes, que conduzem a diferentes formas de
negociação. Vamos então analisar os componentes do risco
(artigo:
Qual é o preço ideal
de um produto ou serviço?).
.
.
Risco
|
Participação nos custos |
Estratégia de compras |
Preocupação fundamental |
Baixo
|
Baixa
|
Compras táticas
|
•
Minimizar a atenção.
•
Reduzir o tempo
necessário para comprar.
•
Automatizar as
compras.
•
Reduzir outros
custos associados a compras como contas a pagar,
qualidade etc.
|
Baixo
|
Alto
|
Lucro tático
|
•
Conhecer todas
as alternativas de mercado.
•
Realizar
concorrência para redução de custos.
•
Procurar
fornecedores alternativos.
|
Alto
|
Baixa
|
Segurança
estratégica
|
•
Garantir o
suprimento.
•
Aceitar pagar
preço diferenciado.
.
Avaliar novas alternativas tecnológicas
|
Alto
|
Alto
|
Críticos
estratégicos
|
•
Acompanhar
permanentemente os itens.
•
Desenvolver
novos fornecedores.
•
Gerar sistemas
de acompanhamento de preços.
•
Negociar,
negociar, negociar.
|
.
.
•
Matriz de Posicionamento em
Compras:
os ganhos mais
significativos se encontram nos itens que fazem parte dos grupos
cujas estratégias recomendadas são: lucro tático e crítico
estratégico. O risco de fornecimento foi caracterizado por uma
combinação de:
•
Disponibilidade de
fornecedores: os insumos para os quais existem diversos
fornecedores são considerados de baixo risco para a empresa;
•
Requisitos de
qualidade: os insumos que não são fundamentais para a qualidade
são de alto risco para a empresa;
•
Requisitos
relativos à segurança pessoal ou ambiental: os insumos que podem
gerar impactos ambientais e que representem ameaças à segurança
das pessoas são de alto risco para a empresa.
O problema mais
significativo é que estes três fatores normalmente aparecem
associados. Insumos que apresentam altos requisitos de qualidade
tendem, devido às possíveis dificuldades de produção, a ser
fornecidos por poucas empresas. Da mesma forma, itens que podem
gerar impactos ambientais significativos também costumam possuir
poucos fornecedores. Dentro do conjunto de insumos de alto risco
existem alguns que, em particular, representam grandes volumes de
compras. Estes compõem os itens críticos estratégicos. Nas
negociações com os fornecedores, o conhecimento profundo de todos
esses fatores de risco é fundamental. Estes fatores constituem as
vulnerabilidades da empresa e podem gerar diminuição do poder de
barganha. A análise destas vulnerabilidades abrange sete áreas
principais, conforme descreveremos a seguir:
•
A relação entre a oferta e
procura:
o primeiro aspecto a
ser analisado é a discrepância que existe entre oferta e procura.
Para isto é necessário avaliar o que a demanda de nossa empresa
representa em relação ao total do mercado. Da mesma forma é
necessário que se avalie a relação existente entre a produção do
fornecedor e a produção total do mercado. Caso a empresa possua
participação pouco significativa nas vendas do fornecedor,
provavelmente terá baixo poder de barganha. Este fator poderá ser
contrabalançado, caso existam diversos fornecedores que estejam
competindo entre si. Mesmo assim, desequilíbrios temporários entre
oferta e demanda podem criar problemas críticos e até insolúveis.
Vide o caso das
refinarias de petróleo independentes existentes hoje no Brasil.
Com o aumento do preço do petróleo e a manutenção dos preços dos
derivados pela estatal do setor, tornou-se hoje em dia quase
impossível operar uma refinaria no país. Situações semelhantes
podem ocorrer em diversos outros setores. É provável que quase
todos lembrem ainda dos problemas que surgiram durante o
"apagão" de energia que ocorreu em anos recentes.
•
A disponibilidade de insumos
para os fornecedores:
as empresas que
fornecem para nossa empresa não se encontram isoladas. Mesmo no caso
de fornecedores primários eles necessitam adquirir os seus insumos.
Em diversas situações os fornecedores podem ter dificuldades em
adquiri-los. Isto pode ocorrer tanto por problemas transitórios
quando por situações que se tornem permanentes. Se no primeiro
momento esta disponibilidade acarreta problemas para o fornecedor,
logo a seguir, assim que seus estoques reguladores tenham sido
consumidos, gerará problemas para a empresa. Entender a lógica de
fornecimento que os supridores dos fornecedores apresentam é
fundamental para a análise de riscos. Esse componente se torna mais
importante no caso de insumos básicos
(artigo:
A matriz de Ansoff:
produto/mercado).
.
•
As tendências de custo das
matérias-primas:
uma análise cuidadosa
das tendências poderá determinar quais os eventos que podem
desencadear súbitos aumentos de preços. Desequilíbrios na oferta de
insumos podem gerar problemas diretos nas operações. Particularmente
sensíveis, são as
"commodities"
negociadas em bolsa.
Movimentos ascendentes de preço podem fazer com que os custos dos
produtos adquiridos se elevem de forma significativa. Movimentos
descendentes podem fazer com que insumos estratégicos, adquiridos
antecipadamente, tenham seus custos reduzidos prejudicando as
empresas com políticas de estocagem preventiva
(artigo:
Supply chain: Quando
os embarques atrasam, as entregas falham).
.
•
A taxa de desenvolvimento
tecnológico:
aqui o importante é
avaliar a velocidade com que os produtos tornam-se obsoletos por
mudanças tecnológicas. Principalmente para as empresas de alta
tecnologia a verificação da adequação dos fornecedores às mudanças
tecnológicas é fundamental.
.
•
A complexidade do mercado:
um
mercado é complexo quando o poder de negociação está com as outras
partes. O importante então é analisar a inexistência ou não de
monopólios e, principalmente, a possível tendência à sua criação.
Diversos setores, tanto no Brasil como no resto do mundo, estão
passando por processos de concentração. Isto torna o mercado mais
complexo do ponto de vista dos compradores. Da mesma forma convém
analisar se existem barreiras à entrada de novos fornecedores, se
existem acordos de preços e qual o impacto da interferência
governamental
(artigo:
Sistemas de alerta
preventiva).
.
•
O fornecedor:
este é o fator mais
importante a ser analisado. Compreende aspectos como: a situação
financeira da empresa, o seu posicionamento no mercado e suas
atitudes nas negociações. Entre as considerações financeiras é
importante avaliar a tendência nos lucros e no fluxo de caixa da
empresa. Na análise do posicionamento da empresa devem ser
incluídos:
•
sua
política de preços;
•
suas
políticas de descontos;
•
os seus
preços, comparados com os dos competidores;
•
suas
políticas de aprimoramento de produtos;
•
compromissos com a melhoria contínua.
As atitudes de
negociação incluem a abertura e a confiança, juntamente com a
propensão para o estabelecimento de parcerias.
.
•
Os métodos de produção,
transporte e distribuição:
entendendo-se os
métodos de produção podem ser avaliadas as flexibilidades que os
fornecedores possuem. Da mesma forma, entendendo-se os métodos de
distribuição e transporte, podem ser antecipados riscos que existam
nestas etapas da cadeia de valor
(artigo:
Sistema LEAN:
Produção, Venda e Entrega).
.
•
A análise de riscos é uma
atividade complexa:
por isso deve ser
desenvolvida apenas para aqueles insumos que forem considerados como
críticos estratégicos. Para os demais insumos que geram alto risco,
mas que possuam baixa participação nos custos, esta análise não
seria justificada. Por isso foram recomendadas outras políticas para
estes itens. A preparação é, com certeza, a atividade mais
importante dentro de um processo de negociação. É através dela que
se consegue avaliar de forma correta os riscos e as oportunidades
que existem no processo. Note-se que, até aqui, se procurou mostrar
alguns tópicos que deveriam ser conduzidos durante a preparação da
negociação. Toda a análise se concentrou em apenas um dos eixos da
matriz de posicionamento, o risco. Talvez desta forma consigamos
aumentar o número de vezes em que conseguiremos os nossos sete pães
(artigo:
PRODUZINDO O QUE OS
CLIENTES DESEJAM - CASO ECOSPORT).
PROF. Dorval Olivio
Mallmann
Consultor Sênior
Instituto MVC: Consultoria em Educação
Corporativa
.
artigo
recomendado:
.
quanto mais caro,
melhor...
|